UNO July 2014

Diplomacia – Inovar a Velha Rede Social

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Quando era Secretário-Geral da ONU, U Thant dizia que quem lá trabalhava, ao fim do dia, ou estava completamente confuso, ou mal informado. Quem tiver experiência das nações Unidas sabe que assim é. Naquela rede social, física e não virtual, durante todo o dia e muitas noites, pelo “Delegates Lounge” e os corredores e ante câmaras das salas de reuniões, diplomatas, políticos, jornalistas, trocam informações, divulgam notícias, tecem intrigas, adiantam análises e previsões que servem os propósitos dos seus países, alvitram saídas e compromisso para os desafios e ameaças que pairam pelo ar.

Diplomacia é um termo ambíguo. Usa-se muitas vezes para designar a política internacional, a política externa ou até para designar atitudes comportamentais, como a cortesia ou a habilidade – na versão mais amável.

O que aqui nos ocupa é a diplomacia como instrumento da política externa dos Estados, como o conjunto de meios e actividades específicas que o Estado consagra ao serviço da política externa, e a capacidade de a ir adaptando à evolução dos tempos.

As redes sociais são um instrumento ideal para a promoção da especificidade histórica, cultural, geográfica, económica de cada país

Desde que as longas e reflectidas cartas manuscritas que os embaixadores enviavam aos seus soberanos foram ultrapassadas pelo telegrama e depois, numa aceleração estonteante, pelo telex, fax e correio electrónico, enquanto por seu lado, o vapor, o combóio e o avião tornaram mais fáceis e rápidas as deslocações físicas, foram-se alterando os métodos da actividade diplomática, ao ponto de a sua morte ter sido repetida vezes anunciada. Mas não se alterou a essência da diplomacia, que se adaptou realidade e se manteve como meio privilegiado das relações entre Estados.

O desafio que agora se coloca à diplomacia, resultante de uma conjugação de alterações comportamentais e de uma revolução tecnológica com um ritmo estonteante que se alimentam uma à outra, poderá ser porém mais profundo. Vários factores contribuem para esta situação: o reconhecimento de ameaças –clima, terrorismo, etc.– que ultrapassam fronteiras e não têm soluções nacionais; a consciência de que a segurança mundial depende de um equilíbrio global e de uma eficaz governança internacional; a resultante dessacralização do Estado; a livre circulação do capital que ilude a regulação das instituições; a criação das redes socias com um alcance planetário; a afirmação, através delas, de uma cultura popular tendencialmente universal; a criação entre os parceiros dessas redes de laços de afinidade e afectividade com elementos de outros países e culturas, eventualmente mais próximos do que com os vizinhos da mesma rua.

A crer nos dados disponíveis, é reduzida a participação em língua portuguesa de entidades oficias em redes

Tudo isto coloca novos riscos ao conferir poderes acrescidos a actores não estatais ou não institucionais da cena internacional que as instâncias de poder não conseguem controlar ou regular. Bem assim abre campo à rápida propagação de fenómenos populistas que escapam ao escrutínio da legalidade, potenciando actividades ilícitas e mesmo terroristas. São novos desafios a que os Estados e organizações internacionais terão de saber responder pela via diplomática tradicional.

06No campo da diplomacia pública, que ganhou nova relevância com a estruturação da sociedade em rede e alargou a todos os cidadãos a possibilidade de terem uma voz activa na formação da opinião pública, as redes sociais vêm criar novas e aliciantes oportunidades e instrumentos à diplomacia.

Poderá parecer paradoxal, mas num mundo em que tudo se globalizou, e se desenvolve uma cultura planetária do quotidiano, assume crescente atracção a diversidade das identidades nacionais. As redes sociais são um instrumento ideal para a promoção da especificidade histórica, cultural, geográfica, económica de cada país, bem como para a divulgação das suas características, e para projectar uma imagem diferenciada de qualidade que se repercuta favoravelmente no meio altamente concorrencial do comércio, do turismo e da atracção de investimento.

A crer nos dados disponíveis, é reduzida a participação em língua portuguesa de entidades oficias em redes como o Twitter. É um indicador que leva a pensar que haverá muito a fazer da nossa parte nesse domínio, embora esta acção possa ser feita em diversas línguas. Alguns países estabeleceram já estratégias próprias para a actuação da sua diplomacia promoção nesta área. Há um planeamento e investimento que a diplomacia portuguesa tem de fazer, quer através dos serviços centrais, para atingir uma audiência mundial, quer nas embaixadas, para, com o conhecimento das idiossincracias próprias de cada país onde estão acreditadas, darem a conhecer à opinião publica local a nossa história, mas também a nossa contemporaneidade no plano da política interna e externa, da economia e da cultura.

A diplomacia manterá a sua natureza e tradição em áreas como a negociação, que exige um terreno próprio e reservado. O seu âmbito alargou-se porém. Temos que saber utilizar esta nova “diplomacia em tempo real”.

Fernando d’Oliveira Neves
Embaixador português
Embaixador. n. Lisboa 1947, serviço militar em Angola. Entrou para a diplomacia em 1975. Foi Adjunto do Gabinete do Ministro e Chefe de Gabinete do Secretário de Estado. Serviu nas Missões junto das NU (Conselho de Segurança) e da UE e na embaixada em Washington. Responsável pela organização da presidência portuguesa da CEE em 1992. Presidente do Instituto pra a Cooperação Económica. Director no Departamento de Política Externa e Segurança Comum do Secretariado Geral do Conselho da UE. Chefe da delegação portuguesa às negociações a nível de altos funcionários que levaram à independência de Timor-Leste. Porta Voz da Presidência portuguesa da UE de 2000. Embaixador em Luanda, Dublin e Haia. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Secretário Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Embaixador em Roma.

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